Esse é o primeiro contato que tenho com alguma obra de Osamu Tezuka, considerado como o Deus do Mangá e o divisor de aguá para a indústria dos quadrinhos. Tezuka impressiona pela quantidade de materiais produzidos, mas principalmente pela qualidade de tudo o que fez, além de ter influenciado diversas pessoas que vieram depois dele.
Em Ayako, teremos uma história que se iniciará no Japão pós Segunda Guerra Mundial. Com a ocupação dos americanos e as mudanças no governo, veremos um país em transformação e adaptação. O foco da história ficará sobre a família Tenge, uma tradicional e influente família japonesa.
Os Tenge são muito conhecidos e servem como modelo para os demais, porém conforme vamos acompanhando a sua história, percebemos a sujeira que existe por trás da imagem que eles tanto tentam manter perante a sociedade. Eles fazem de tudo para manter o seu status e garantir que satisfarão os seus desejos, seja lá quais forem. E quando eu digo que fazem de tudo, é tudo mesmo.
Eles não têm o menor escrúpulo em expor toda a sua cobiça quando estão entre si, chegando ao ponto do filho primogênito oferecer sua própria esposa ao pai, para garantir que ficaria com a sua herança. Quem mais sofre com isso são as quatro mulheres que conhecemos da família.
Primeiro, a esposa, que apesar de reconhecer as atitudes do marido, mantêm-se firme na sua “obrigação” matrimonial. Segundo, a esposa do filho primogênito, que é obrigada a consentir com o acordo absurdo entre o seu marido e seu sogro. Terceiro, a filha mais velha da família, que tenta viver a sua vida, lutando por aquilo que acredita, o que acaba gerando implicações na sua relação familiar. E por fim, temos Ayako, uma criança que é fruto da relação entre genro e nora.
Como se só isso não bastasse, temos ainda mais dois filhos na família. Outra criança, que aparenta ser muito madura para a sua idade e, além disso, aparenta ser uma boa pessoa, justa e honesta. E um sobrevivente da guerra que está retornando para casa.
Na trama, acompanharemos os desdobramentos das ações de integrante da família e a cada acontecimento mostrado, temos um efeito de bola de neve. Mesmo sem culpa ou sendo inocente, até mesmo as pessoas mais puras são corrompidas. Obviamente, tantos atos no mínimo duvidosos não acabariam bem, o que leva a algumas mortes. Mas para continuar com a sua imagem, as ações da família vão ficando cada vez priores e mais perversas.
Em uma atitude desesperada, é decidido forjar a morte de Ayako e com isso a menina ficará trancada por vários anos em um porão. A partir daí é que a história irá se desenrolar e Ayako terá a sua vida completamente alterada. Inicialmente ela não entende o porque está ali, ela só quer brincar, mas conforme os anos vão passando, vemos os efeitos que o isolamento causam e como isso irá afetar a sua vida. Vários conceitos são complemente distorcidos em sua mente, sendo um deles o amor, o que a leva a se entregar para um dos seus irmãos, pois ela pensa que o ama.
Todos os acontecimentos na sequência vão determinando o destino dos integrantes da família. Alguns se sentem culpados pelo o que fizeram com Ayako e tentam compensar de alguma forma, outros pensam que tem algo a perder se ela for descoberta, então fazem de tudo para que ela continue “morta”.
Apesar de possuir mais de 700 páginas, essa é daquelas leituras que não queremos parar. A vontade é ler tudo de uma vez para descobrir o que irá acontecer. Com o seu traço característico, Tezuka entrega uma arte um pouco mais simples em cenários e expressões faciais, o que para quem não está acostumado, pode causar uma certa estranheza no início. Mas a forma com que ele leva a história é realmente incrível.
Confesso que o final foi meio inesperado para mim, mas com certeza foi uma maneira muito irônica para o desfecho da família e, porque não, uma certa vingança de Ayako. Além disso, temos um final alternativo trazido pelo autor, o que complementa muito bem a edição espetacular publicada pela editora Veneta.